Entrevista ao Tribuna da Madeira no dia 08-02-2008


“Ao fazer investigação poderíamos promover um desenvolvimento mais sustentado”

João Lemos realça que os governantes começam a ter uma percepção diferente da investigação científica, mas alerta que esta ainda é uma lacuna.

CARMEN VIEIRA
Foi para colmatar essa falha que surgiu, segundo o seu presidente, a Associação Científica do Atlântico. Sediada na Madeira, a AICA integra ainda membros dos Açores, Canárias e Cabo Verde.

Tribuna – Como surgiu a ideia de criar a Associação de Investigação Científica do Atlântico?

João Lemos – Resultou de um desafio do presidente da Associação Insular de Geografia na III Conferência do Atlântico, em 2006, em relação ao qual o secretário da Educação demonstrou total apoio. Conseguimos a sede na Madeira, apesar de Canárias também ter querido ficar com ela.

A AICA surgiu com o objectivo de colmatar algumas lacunas que verificamos na Região ao nível da investigação científica em várias áreas. Existem entidades que deviam preocupar-se com a investigação e não o fazem. Queremos cooperar com as instituições existentes e cobrir algumas dessas lacunas.
A associação surgiu ainda pelo facto de a Região ter saído do objectivo 1 da UE e ter perdido fundos. A UE tem no seu orçamento 500 mil milhões de euros para a inovação, investigação, tecnologias e formação. Como tal, vamos aproveitar a oportunidade e recorrer aos fundos comunitários.

Tribuna – O trabalho da associação abrange áreas muito diversas?


João Lemos – A AICA atinge o conhecimento transversalmente. Temos áreas que vão das letras às ciências.
Tribuna – Não há nenhuma área prioritária?
JL – Para já, não definiremos prioridades, até porque poderíamos prejudicar investigadores interessados em avançar com algum projecto no imediato. Queremos reunir o Conselho Científico, eleger os seus responsáveis e dar orientações no sentido de as pessoas se organizarem - por áreas de conhecimento ou por projectos onde sejam enquadradas várias áreas.

Delegações em todas as regiões

Tribuna – Já têm surgido ideias para projectos de investigação?


JL – Um grupo da área da biologia tem um projecto interessante em que já estão a trabalhar, que tem a ver com educação ambiental para os professores do 1º Ciclo, na qual há lacunas. Vou reunir com o secretário da Educação para saber se concorda com que se avance com esta acção de formação.
Também já foi sugerido um estudo sobre o impacto do turismo na economia da Região, há um grupo da área da informática com um projecto relacionado com a Madeira e a directora da Escola Superior de Enfermagem tem um projecto na área da saúde que desenvolverá com colegas das Canárias e Açores.

Tribuna – Como será feita a articulação entre as quatro regiões que fazem parte da associação (Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde)?

JL – Temos na direcção um representante dos Açores e um de Canárias, não foi possível encontrar um de Cabo Verde. Mas tentaremos criar delegações em todas as regiões, onde se possam organizar e apresentar projectos comuns às restantes para poder trabalhar em articulação. Queremos privilegiar a Madeira, colmatando algumas lacunas, mas também colaborar com colegas das outras regiões.

Tribuna – Para além dos fundos comunitários, como é que os projectos da AICA serão financiados?


JL – Para além das candidaturas aos fundos comunitários, tentaremos obter verbas através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, do Governo Central. Também prestaremos serviços às empresas e ao GR, que permitirão arrecadar verbas. De forma geral, todo o trabalho prestado terá um preço.
Através da associação, podemos resolver problemas de empresas regionais e do próprio GR que, não tendo forma de arranjar o dinheiro, poderá ver na AICA um parceiro importante para colmatar algumas lacunas ao nível da formação de recursos humanos, de gestão, do património, saúde e outras áreas.

Congresso de Turismo em Junho

Tribuna – Portanto, estes projectos terão aplicação prática?


JL – Os trabalhos não ficarão na prateleira. Aliás, um dos nossos objectivos é divulgar os trabalhos que forem sendo feitos ao longo do tempo. Para isso, apresentaremos no fim de cada ano um número da revista científica AICA, na qual divulgaremos os trabalhos desenvolvidos em cada ano.
Teremos ainda o nosso site, onde disponibilizaremos parte desses trabalhos. No mesmo, tentaremos que outras instituições que se dedicam à investigação nos facultem documentos para serem disponibilizados aos alunos do Ensino Superior, que muitas vezes precisam de informação para os seus trabalhos.
Este ano já temos agendado para 12 a 14 de Junho um Congresso Internacional de Turismo, no qual participarão vários investigadores internacionais. Como a AICA ainda não tem capacidade de concretizar um projecto desta dimensão sozinha, estamos a fazer uma parceria com a Universidade de Aveiro, através do professor Carlos Costa, que já está fazer os contactos.
O objectivo do evento é reflectir sobre o turismo ao nível mundial. Começamos pelo Turismo, que é a principal actividade económica da Região. Em 2009 é provável que o congresso seja na área da saúde e, em 2010, do ambiente. A ideia é promover um evento internacional na Madeira todos os anos.

Tribuna – A associação é formada por pessoas com habilitações escolares de nível superior. Essa é uma condição essencial?

JL – Um dos requisitos para entrar no Conselho Científico da associação é ter um mestrado ou um doutoramento. Por seu lado, os sócios têm de ter no mínimo uma pós-graduação. A licenciatura por si só não chega.
A nossa ideia é internacionalizar o mais possível a AICA para contar com investigadores de renome mundial. Temos de ser humildes e aprender com os outros, cooperando com eles para nos ajudarem nesta fase. Só assim teremos trabalhos com o rigor científico que se exige e a projecção desejável.

“Quase tudo por fazer na investigação”

Tribuna – Sente que há interesse por parte da sociedade em relação à AICA?


JL – Após a tomada de posse tenho recebido muitas felicitações. Para além disso, muitas pessoas têm-me contactado para conhecer os objectivos da associação e perguntar se se podem inscrever e dão ainda ideias que gostariam de concretizar. Estão a chegar novos sócios todos os dias.

Tribuna – É a prova que há uma lacuna na investigação na Região?


JL – A investigação científica ainda é uma lacuna na Madeira e não só. Dos contactos que tivemos com os membros das outras regiões verificamos que também têm esse problema e é maior que aqui. Ao nível da investigação científica, só as Canárias estão mais avançadas. Nos Açores, Madeira e Cabo Verde há quase tudo por fazer ao nível da investigação.

Tribuna – Parece que só agora é que o poder político despertou para a importância desta área?


JL – Os governantes começam a ter uma percepção diferente da investigação e percebem a sua importância no desenvolvimento: ao fazer investigação e estudos prévios poderíamos evitar erros e promover um desenvolvimento mais sustentado, sem pôr em causa os nossos recursos, por exemplo.
Portugal está na cauda europeia ao nível da investigação e da formação superior. Somos um país com poucos doutorados. Nesse sentido, queremos contribuir um pouco para que os madeirenses melhorem as suas qualificações.

Tribuna – O facto de sermos uma região ultraperiférica dificulta essa missão.


JL – Sim. Para aumentar os seus estudos os madeirenses têm de sair e isso é complicado. Eu próprio sofri na pele essas dificuldades. As entidades de ensino na Madeira estão a promover formação avançada e vamos ser mais um parceiro para ajudar a colmatar as lacunas ao nível da formação. Não queremos trabalhar sozinhos, estamos abertos e queremos trabalhar com todos.

Investigação, formação e prestação de serviços
Apresentada no passado mês de Janeiro, a Associação de Investigação Científica do Atlântico – tal como o nome indica – visa promover a investigação científica e tecnológica em várias áreas, englobando os arquipélagos da Macaronésia: Açores, Canárias, Cabo Verde e Madeira.
Além da direcção, a AICA é constituída pela Assembleia Geral e pelo Conselho Fiscal. Tem ainda um Conselho Científico formado por 17 professores doutores (8 da Madeira) e 15 mestres (todos da Madeira) e um Conselho Consultivo, com 14 entidades públicas e privadas da Madeira.
Do Conselho Científico fazem, parte pessoas de áreas como a Saúde, Matemática, Economia, Geociências, Biologia, Biologia Celular, Geografia, Gestão, História, Turismo, Sociologia, Português, Filosofia, Física, Economia, Educação Física, Informática, entre outras.
A AICA pretende realizar programas e projectos de investigação, colaborar com as universidades e outras instituições em programas de investigação e formação, fomentar o intercâmbio científico com outras estruturas regionais, nacionais e estrangeiras ligadas à investigação, nomeadamente a participação em redes e projectos de investigação nacionais e internacionais.
Outros objectivos passam pela difusão do conhecimento através da publicação de monografias, revistas científicas, projectos, relatórios e publicações de interesse técnico-científico. Serão prestados ainda serviços a empresas e instituições, resolvendo problemas através da investigação.
Para o quadriénio 2008/2012, as actividades previstas são a investigação no ambiente, saúde, gestão do território e património natural e construído, além de projectos que diminuam problemas estruturais e socio-económicos das regiões. Serão promovidos ainda estudos em áreas como ambiente, turismo, planeamento e ordenamento do território, saúde e educação.
A AICA deverá realizar também conferências nas escolas ou noutras instituições regionais e promover um programa de bolsas de formação em investigação científica, em colaboração com outras entidades públicas ou privadas, ao nível de pós-graduações, de mestrados e de doutoramentos.